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Queda de Muricy dá ao Santos a chance de chacoalhar o mercado de técnicos no Brasil

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O anúncio da rescisão de Muricy Ramalho com o Santos não chegou a surpreender. Tampouco entristece, visto que há tempos seu trabalho não agradava a torcedores, dirigentes nem muito menos àqueles que gostam de um futebol bem jogado. Aliás, bom futebol é coisa que sempre passou longe de ser uma marca do treinador. Seu currículo conta com quatro títulos brasileiros, uma Libertadores e mais alguns estaduais, portanto não há como dizer que não se trata de um profissional de sucesso. Entretanto, em momento algum esse sucesso veio atrelado a atuações memoráveis dos times que dirigiu. Muricy é o que há de mais pragmático e chato no futebol. A cada nova vitória, a cada nova conquista, seu estilo se consolidava e contaminava o meio. Afinal, como dizem, o importante é ganhar. E ele ganhava muita coisa. Então, se estava dando certo, por que não repetir, por que não copiar? E o resultado disso é que hoje temos vários outros Muricys espalhados por quase todos os clubes do país.

De forma alguma estou dizendo que o cara seja culpado pelo momento terrível pelo qual passa o futebol nacional. Ele não é causador de tudo isso, mas é parte integrante desse marasmo. E entendeu que o valor só é dado aos que vencem, independentemente de como o fazem. Daí ter desenvolvido sua receita de bolo e, enquanto pôde, a seguiu. Até que chegou uma hora em que a fórmula se desgastou. Aliás, o próprio Muricy se desgastou. Recentemente, mal conseguia esconder o desânimo e a falta de tesão pelo trabalho. Não sei se era somente o cansaço advindo das pressões e o estado de saúde meio debilitado – passou por uma cirurgia de urgência há pouco tempo -, que, como o próprio admitiu, o fez reavaliar uma série de prioridades, principalmente no que diz respeito ao distanciamento da família que a profissão impõe. A mim, pelo menos, passava também a impressão de haver um certo desgaste pessoal, causado, talvez, pelo fato de não estar satisfeito com aquilo que ele mesmo vinha produzindo. Parecia ter deixado de sentir aquele arrepio gostoso que os grandes desafios costumam proporcionar.

Acho que o melhor que pode fazer é descansar, passar o máximo de tempo possível com a mulher, os filhos e amigos, comer bastante churrasco, beber aquela cervejinha gelada e… estudar. Sim, não é porque trata-se de um técnico já com muita rodagem que não tenha mais nada a aprender. O que Muricy entende e vinha aplicando no futebol está mais do que ultrapassado. É preciso se renovar e até mesmo se reinventar como treinador. Se tiver que voltar, que seja pra fazer coisas novas e motivadoras. Senão, que passe o resto da vida de férias.

Mas não é só o ele quem tem que procurar respirar novos ares pra tentar entender melhor o que anda acontecendo no futebol de hoje em dia. Nossos técnicos, como venho fazendo questão de frisar há tempos, são quase todos muito ruins e têm uma visão altamente deturpada e limitada pros padrões atuais do esporte mais importante e emocionante do planeta. Mesmo no Santos, onde conquistou uma Libertadores (2011) e dois Paulistinhas (2011 e 2012), o trabalho realizado em momento algum chegou a empolgar. Era nítida a dependência que sua equipe tinha do Neymar. No momento em que o garoto caiu, o time todo despencou junto. E quando o moicano não estava em campo, o Peixe simplesmente não rendia. Muricy não montou um esquema que favorecesse o futebol do menino, não deu a ele as condições ideais pra que desenvolvesse o seu melhor jogo, mas, sim, pôs em suas costas toda a responsabilidade de carregar os demais, já que a tática utilizada era sempre a mesma: dar a bola no garoto e esperar que ele resolvesse a partida. Nem sequer se preocupou em criar alternativas pra quando as coisas não corressem bem ou pra quando o moleque não pudesse jogar. No meu modo de enxergar futebol, foi uma atitude preguiçosa, acomodada a até mesmo covarde.

O Santos, agora, tem uma grande chance de fazer algo diferente e, quem sabe?, iniciar um novo momento no Brasil. Um momento em que finalmente vamos reconhecer que nossos “professores”, apesar de serem alguns dos mais caros de todo o mundo, estão muito aquém daquilo que se pratica dentro do futebol atualmente. Importar mão de obra em vez de trocar seis por meia-dúzia e recorrer aos mais do mesmo do mercado tupi, mais do que uma possibilidade, tornou-se uma necessidade. Falam em Bielsa, uma espécie de Cuca argentino, já que costuma ser um gênio na hora de montar equipes que jogam de forma ofensiva e agradável aos olhos de qualquer um que goste desse negócio, mas cujos títulos não passam de dois argentinos, conseguidos ainda nos anos de 1990 com Newell’s e Velez e a medalha de ouro com “La Selección”, em 2004. Seu estilo, porém, é tão incrivelmente futebolístico, que, dentre outras coisas, fez com que Guardiola partisse pra uma jornada de seis meses na Argentina, onde procurou aprender com quem acreditava saber o suficiente pra ensiná-lo. Os resultados alcançados com o Barça são a maior prova de que o pupilo escolheu bem seu professor.

Porém, nem só de Bielsa vivem os argentinos. Por lá não faltam bons treinadores. A escola deles, aliás, é a melhor da América do Sul e está entre as melhores do mundo há tempos. É só avaliar os trabalhos de alguns dos técnicos hermanos espalhados por aí e comparar com o que se tem feito aqui pra perceber o quanto estamos perdendo tempo em não trazer um pouco disso aqui pra nossa realidade. Novamente, é a arrogância brasileira que impede que se enxergue o óbvio. Somos prepotentes demais pra reconhecer que o momento do futebol é outro, que o técnico é muito mais importante hoje do que era até alguns anos atrás, quando tínhamos uma penca de jogadores capazes de mudar partidas e conquistar resultados por meio da improvisação e da habilidade tipicamente brasileira. O jogo mudou. Ele, agora, é muito mais físico e tático, o que fez aumentar bastante a importância dos técnicos, os quais precisam ser bem mais estrategistas do que em outras épocas. A surpresa e o imponderável sempre vão estar presentes nesse jogo. E é isso que garante que será pra sempre o melhor de todos. Mas é burrice não reconhecer que hoje ele é bem mais pensado estrategicamente do que foi um dia. E é justamente por não nos darmos conta disso que acabamos ficando pra trás.

Também não espanta saber que muito dessa resistência que temos a profissionais que venham de fora está relacionada ao corporativismo que existe entre os daqui. Nenhum dos milionários treinadores brasileiros quer ver sua ruindade exposta por caras que cheguem e mostrem como é que as coisas são feitas no mundo real. E provavelmente o farão por salários bem menores. Ainda acreditamos que o bom técnico é aquele que fala a “língua do jogador”. Uma estupidez sem tamanho. Com todo profissionalismo e toda grana que rolam no futebol, é um absurdo que ainda se pense assim. Se ele falar, ótimo. Mas achar que isso é fundamental, peraí, né? O tempo dos Papais Joéis e dos churrasquinhos de confraternização do Espinosa ficaram lá pra trás. É inadmissível que ainda não tenhamos compreendido algo tão óbvio. Nós só vamos voltar a ser os melhores nesse negócio na hora em que admitirmos de uma vez por todas que, nesse momento, não somos mais.

Por tudo que foi exposto aqui, espero mesmo que o Peixe aproveite a oportunidade pra agir diferente, pois trata-se de um clube que cresceu a apareceu pro mundo fazendo do futebol bonito e bem jogado o seu principal cartão de visita. Se tem um lugar apropriado pra que se dê início a um processo de resgate, esse lugar é o Santos Futebol Clube.

Abraços,
Tatu


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